quinta-feira, 9 de junho de 2011

Etéreo



Nada tem que dar certo
Nosso amor é bonito
Só não disse ao que veio
Atrasado e aflito
E paramos no meio
Sem saber os desejos
Aonde é que iam dar
E aquele projeto
Ainda estará no ar...

(Eclipse Oculto - Caetano Veloso)


Caco afastou-se até se apropriar de uma condição tal de irrealidade, que se tornou matéria de sonho. Desses que ela só tem vez perdida, e dos quais acorda como quem fosse traída. Era assim que Memé se sentia esta manhã. 
Ele bateu à porta, entrou educadamente depois que ela, com um gesto, o convidou a fazê-lo. Parecia cansado. Estava mais magro, muito mesmo. A barba continuava mal feita, com uns fios brancos a mais. Sempre bonito, ela pensou. Ele observava a casa nos seus mínimos detalhes, perscrutando a vida que ela construiu com outro. Cômodo a cômodo, sem pressa, ele vasculhou. Reconheceu-a, reencontrou-se. Gentil, Memé escancarou seu riso mais desarmado e só não o abraçou porque ele se constrange com o toque. Memé é a criatura mais fiel que existe. Passe o tempo que passar, mude o tanto que for, não se recusa. Há de guardar indeterminadamente o frescor, a claridade, o perfume de um lugar insuspeitável a ele dedicado
Caco despiu-se e entraria no banho quando ruídos deram conta da chegada do amor de realidade, tão palpável e verdadeiro, tão seguro e à vontade que nem se incomodou com a presença rarefeita do velho conhecido. Falava sem parar, o dono da casa, contando alegremente o dia vivido, distribuindo as frutas frescas colhidas no caminho. O "intruso" então recompôs-se, riu discretamente quase sem vontade e partiu. 
Memé acordou  sem ar. Lhe esperava com a mesa bem posta aquele que está. Felizes como poucos mas, hoje, só por hoje, ela será triste. 

Ceronha Pontes
Recife-Pe, 09 de junho de 2011

ilustração de luxo:

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